A sorte madrasta nunca teve um filho.Tinha sido enjeitada pelos homens e pelo azar, sem que ninguém lhe tivesse pegado para a fazer feliz. Sendo filha única da Vida e do Acaso, nem sequer lhe poderiam dizer que ia ficar para tia. Restava-lhe, apenas, ser a mãe daqueles que, por se desviarem das suas trajectórias, lhe iam parar à porta pedindo um pouco de pão, de calor ou de alento. A sorte, madrasta, lá os aconchegava com uma malga de sopa quente e histórias da vida de outros que por lá já tinham parado. Já aquecidos e sossegados, os descansados adormeciam no seu regaço e eram prontamente sufocados por um amor que os impedia de respirar ou de lutar pela vida.